quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Uma contabilidade pública mais próxima da realidade

         Os normativos e mesmo a doutrina mais recentes sobre contabilidade pública reforçam a necessidade de que se proceda à sua aproximação com a contabilidade privada. O caminho para implantação desses métodos é longo e já de início apresenta alguns riscos que devem ser evitados. Como exemplos, podem ser citados os cuidados que se espera que sejam tomados pela administração pública com o cálculo de depreciações, provisões e reavaliações e diferimentos, termos que serão explicados a seguir.
         É importante realçar que as regras gerais são definidas pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN do Ministério da Fazenda. Mas o objetivo é atingir a todos os entes públicos: Estados, Municípios, suas respectivas fundações e, lógico, quaisquer entidades que venham a gerir recursos públicos.
         Somente com a padronização de planos de contas, lançamentos contábeis e procedimentos para execução é que se pode vir a vislumbrar uma consolidação mais consistente dos resultados orçamentários e financeiros da gestão pública de toda a federação.
         Quanto mais exata a aplicação desses procedimentos maior a certeza de que a entidade está utilizando o regime de competência, entre outras vantagens. A competência envolve o registro das possíveis receitas e despesas a seu devido tempo, ou seja, quando ocorrido o fato gerador. Trata-se de condição necessária ao aprimoramento da informação produzida. Qualquer variação, pequena que seja, nos critérios e nos montantes obtidos pode vir a causar grandes diferenças no somatório total contido nas demonstrações.
                                Provisões
         As provisões não são nada mais que reconhecer periodicamente uma obrigação a ser cumprida no futuro. A prática ainda existente na maior parte dos entes públicos é que a contabilidade só registre férias a pagar ou décimo terceiro no mês do seu pagamento, o que não espelha a verdade.
         No primeiro mês do ano o servidor já tem direito a uma parcela do décimo terceiro a ser pago. O ente público portanto, já deveria ter, registrado no seu balanço, o valor dessa obrigação. No final do primeiro mês após as férias já deve ser reconhecido contabilmente o direito do servidor às suas próximas férias. Somente apresentando tais despesas sendo acrescidas gradualmente ao longo do tempo é que a contabilidade pode representar melhor a situação de fato.
         O descuido no registro dessas provisões infla o superávit ao longo do ano, no caso do décimo terceiro. Faz com que um grande valor de despesa seja reconhecido apenas no momento do pagamento do décimo terceiro o que é feito geralmente no final do ano. Já no caso das férias, a percepção de uma “bolha de despesa” só será sentida nos meses anteriores aos grandes volumes de férias escolares em que uma quantidade maior de servidores também estará gozando tal benefício.
                                 Reavaliações
          É muito comum que os responsáveis pelo inventário em vários órgãos públicos encontrem nos relatórios anteriores bens registrados por valores irrisórios de R$0,01 ou R$0,02. A situação se torna até cômica quando se considera que isso pode acontecer mesmo a imóveis localizados em áreas nobres das cidades e os quais podem ter grande valor econômico.
         A atualização desses valores poderia permitir uma melhor avaliação dos recursos imobilizados do ente público. Analistas responsáveis por conceder créditos a tais entidades poderiam ter informação melhor à disposição. Com o incremento das atividades relacionadas à transparência pública e a nova Lei de Acesso à informação, mais importante se faz considerar que a correta valorização de tais bens públicos. Não se trata  apenas de um procedimento burocrático mas uma necessária implementação de tais instrumentos legais.
          Mesmo que já cumprido o tempo previsto para depreciação total, a maioria dos bens ainda possui valor de mercado. Assim um imóvel que já tenha mais de 25 anos de construção pode ser reavaliado, somando-se o incremento do valor a seu valor contábil. O mesmo pode ocorrer para veículos que duram mais que 5 anos e os equipamentos hospitalares, por exemplo.
          Exemplo de que é necessária a correta divulgação dos valores de um imóvel se dá no caso da venda desses bens a particulares. Sobretudo quando se trata de ruas, a reavaliação passa a ter importância capital de modo a dar respaldo à administração pública para que venha a cobrar um determinado preço. Caso o valor em questão seja muito abaixo ou muito acima do mercado cabe à população e a seus amados representantes questionar a venda em questão e os possíveis prejuízos oriundos do preço executado.
                                 Diferimento
           O diferimento ocorre quando o fato gerador de uma despesa ou uma receita não ocorre todo de uma vez, apesar do ingresso ou saída de recursos financeiros. Uma obra ou instalação que vai beneficiar a entidade por 5 anos ou mais não pode ser tratada como prejuízo de apenas um mês ou ano em que o gasto correspondente foi realizado. Um adiantamento grande para pagamento pela construção de um navio ou edifício não deve ser apropriado como lucro, ou superávit, de apenas um período. Mesmo uma aquisição de alimentos, material de expediente ou rações ou outras despesas de custeio devem ser apropriadas quando do seu efetivo emprego, ou seja, do seu fato gerador.
            Caso não ocorra o diferimento, estará sendo utilizado o Regime de Caixa. Trata-se de forma simplória de apurar o lucro ou, no caso de entidades públicas, o superávit. Ao adquirir certos bens que durarão vários períodos sejam de investimentos ou custeio, capitais ou correntes, os valores são totalmente lançados como despesas no período em que há a saída de caixa. Não se pode falar em regime de competência nesse caso.
             Exemplo é a instalação de divisórias num conjunto de salas. Inicialmente, deve-se imaginar quantos períodos de apuração, sejam mensais ou anuais, serão beneficiados pelo trabalho pago. Chegando-se a um número de 60 meses, por exemplo, o procedimento correto é que se reconheça cada 1/60 dos gastos como despesa a cada mês.
                                  Considerações gerais
             É importante se perceber que cada um dos conceitos aqui apresentados deve ser detalhado para cada caso de acordo com a legislação específica e em cada esfera de governo. Assim se uma prefeitura decidir por apurar a exaustão de uma mina em que o município participe diretamente na exploração, poderá e deverá fazê-lo baseado na legislação municipal a respeito que, no entanto, não poderá contrariar normas superiores impostas pelas leis da União.
              Entre outros vícios a ser evitados estão a falta de padronização detalhada dos procedimentos que podem levar a grandes diferenças de resultados nos cálculos dos lançamentos acima. Pequenas diferenças que parecem insignificantes – na faixa de 0,01% do orçamento total – podem vir a se tornar vultosas quando analisados os valores totais desses “acertos”. Fazendo-se cada cálculo com o máximo de diferença aceitável – critério do custo-benefício – garantem-se valores finais mais condizentes com a realidade. O que em nível local parece não ter significado pode-se tornar “uma bola de neve” no universos dos valores consolidados.
              Outro vício a ser contido sobretudo pelos níveis centrais de decisão é o excesso de exigências feitas a pequenas entidades. Prefeituras, fundações e mesmo algumas Oscips e outras entidades gestoras de recursos públicos podem não ter condições de efetuar lançamentos detalhados com a produção de relatórios exaustivos sobre todas as atividades executadas. Os projetos, inclusive pelo caráter transitório, podem não ter condições em termos de custo-benefício e mesmo logísticas de vir a se enquadrar em todas as exigências para serem considerados transparentes e integrados à contabilidade pública do país.
              O contato com diversas entidades como prefeituras, e mesmo Estados ou Fundações mostram que o caminho é longo. Vários são os tipos de planos de contas e relatórios utilizados. Sistemas contábeis fornecidos por empresas privadas tratam de formas diferentes os procedimentos aqui apresentados. E ainda há a resistência natural às mudanças. Não se trata de uma peculiaridade apenas do serviço público e exige  trabalho voltado a obter mudanças na própria cultura da organização.
             Entre as dificuldades para mudanças está em se reconhecer a autoridade do ente federal para impor regras. E lembrando-se que estas devem ser atendidas até mesmo pelos tribunais de contas e outras entidades julgadoras. Neste caso deve-se observar que “União” não é necessariamente “Governo Federal” e vice-versa. Em alguns casos, mesmo que não haja motivação política para uma intervenção indireta do governo é necessário que exista uma regra geral produzida por alguma instância em prol do resultado a ser obtido.
             É o caso em questão em que são impostos procedimentos contábeis às entidades por meio de normativos expedidos pelo Ministério da Fazenda. Nessas circunstâncias se fará necessária uma esfera comum que possa emanar regras gerais a serem obedecidas de forma a obter a padronização desejada. Somente assim se pode garantir melhor consolidação e a respectiva consistência dos resultados divulgados ao público.
                                Conclusão
            O caminho a ser seguido pela contabilidade pública é o de se assemelhar, tanto quanto possível, aos procedimentos da contabilidade privada. A não aplicação de procedimentos básicos que garantam a correta aplicação do regime de competência tende a diminuir.  As inconsistências dos cálculos e as variações de metodologia aplicada devem ser reduzidos de forma a que não se obtenham somatórios distorcidos nos resultados apresentados.
            Por outro lado as exigências de detalhamento e obediência às regras devem se adequar ao tamanho e escopo da atividade desenvolvida pelas entidades de qualquer esfera. Os regulamentos, manuais e até a doutrina produzida devem ser de conhecimento e aplicação geral mas respeitando às características particulares e à autonomia de cada ente.
            A tarefa é longa e ininterrupta. Algumas entidades apenas engatinham na padronização dos procedimentos e claro que há e haverá sempre resistências às mudanças. Mas o trabalho constante, o treinamento e a revisão contínua de procedimentos sempre haverão de garantir o cumprimento da legislação e a melhoria da informação produzida.