quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Normas inventadas no caldeirão de maldades

    Inventar normas é um dos prazeres sádicos dos burocratas, sejam servidores públicos ou não. O número de regras a seguir já é muito grande. Em várias instituições, como no serviço público, elas já estão formalmente estabelecidas. Mesmo assim, qualquer um que esteja investido de algum poder tende a querer aumentá-las. E isso, grande parte das vezes acontece à revelia de quem realmente poderia controlar esse poder.  Esquecem-se, ou são absolutamente ignorantes, de que tais abusos lhes fazem iguais às piores doutrinas totalitárias de que tanto se fala mal por ai.
    As regras existentes na maioria das instituições tentam cobrir todos os aspectos possíveis da organização. São regras como as relativas aos direitos trabalhistas nas empresas privadas e os estatutos nos casos dos funcionários públicos. Além da legislação propriamente dita, ainda há os códigos de ética, normativos para concessão de indenizações, quadros de horários, férias e tantos outros detalhes que devem ser lembrados para que não se cometa nenhuma infração. Em alguns locais ainda se determina o que vestir, a que horas ir ao banheiro e como e quando se dirigir aos chefes. Mas isso não é tudo.
    A maior parte dos regulamentos já é formalmente estabelecida. Portanto não caberia a nenhuma autoridade ou integrante da organização que se fique criando por conta própria as normas que bem achar que devem existir. Isso não deveria acontecer, a não ser em uns pequenos casos e com o consentimento dos seus superiores na hierarquia da instituição. Sobretudo, como acontece em tantos casos, quando por iniciativa do próprio encarregado a autoridade é auto-atribuída. Ou seja, um belo dia, o cidadão passa a se investir dos poderes necessários para inventar o que quiser a respeito do que fazer ou o que deixar de fazer. Quanto menor a capacidade intelectual, certamente maior será a inventividade e o ímpeto para criar novas determinações.
    Aqui um parêntese importante para tratar do “politicamente correto”.  Em geral, o que é julgado certo em termos de proteção ao meio ambiente, por exemplo, passa ao conhecimento público e acaba virando uma norma por aclamação. Qualquer ataque que se faça a tais regras tende a ser rechaçado em prol do bem comum. Nada melhor para o pequeno burocrata. Sem condições ou mesmo sem autoridade para intervir diretamente nas atividades fins da entidade, ele passa a ter nas mãos uma arma de coerção. Isto basta para que ele julgue que pode se impor de alguma forma perante a organização. No mínimo, ele passará a ter um meio  bem eficaz de incomodar bastante a vida dos colegas.
    Infelizmente, quem realmente teria o poder para fazer o controle, às vezes não tem tempo ou conhecimento das situações ocorridas para que possa fazer a necessária interferência. O excesso de trabalho nos gabinetes da direção reduz a comunicação com o público interno. Há, em muitos casos, a certeza de que a autoridade já foi devidamente distribuída e estabelecida por delegação. É natural também que exista um pouco de incapacidade de cobrir todas as situações e acompanhar todas as áreas da empresa. A combinação desses fatores permite que os níveis hierárquicos inferiores possam, ou mesmo necessitem, completar por conta própria o que não é visto por “cima”. Então pode ocorrer de se arvorarem em criar mais normas do que o necessário ou o permitido para aquela instituição em especial.
    O problema é que tais abusos são a sementinha do totalitarismo desenfreado. Um ímpeto pequeno e mesquinho pode, por exemplo, querer definir,  por exemplo,  o que é certo e errado em relação a apagar as luzes na hora do almoço. Este, em escala maior,  é o mesmo sentimento que possui o ditador que escolhe quem vai ficar vivo ou morto por concordar ou não com o sistema. É o abuso da autoridade, mesmo que pequeno, até mesmo por manter proporção com a pequenez do criminoso que o faz. Mas não deixa, de forma alguma de demonstrar e confirmar a fragilidade do caráter humano.
    As regras existentes nas organizações geralmente já estão previstas e são de conhecimento geral. Em várias instituições, além de uma quase exaustiva legislação, há normativos e códigos a serem observados.  Mesmo assim ainda há espaço para a criatividade do pequeno burocrata. Os diretores e outros membros da alta direção não fazem, por vários motivos, a interferência necessária nesses casos.  O resultado é que a mesquinhez de espírito, a vontade cercear e o abuso de poder criam asas e imitam em pequena escala, a mesma sordidez dos grandes totalitarismos...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Corridas de Rua – Modismo e incompetência

    O lado bom das Corridas de Rua quase não precisa ser lembrado. O zelo pela saúde e os respectivos resultados são amplamente conhecidos. O encontro com novos e velhos amigos cria uma motivação especial e que se renova a cada evento.  Já a satisfação de procurar os bons os resultados não tem preço, sejam eles quais forem.
    Quanto à saúde é fácil ver que até certo ponto a corrida é uma panaceia, um remédio para todos os males.  Melhoria da circulação sanguínea e da frequência cardíaca, benefícios à estrutura física e vários outros aspectos são beneficiados. Até mesmo do ponto de vista psicológico há benefícios indiscutíveis. A atenção que é desviada dos problemas maiores para a concentração no esporte. A descarga física que provoca reações químicas positivas no organismo. Ainda há a sensação de repouso, de tranquilidade depois das atividades.
    Em relação aos amigos é difícil descobri o que é melhor: As corridas proporcionam várias oportunidades de se encontrar novas amizades. Os eventos também ajudam a consolidar amizades antigas. De qualquer maneira, o importante é o instinto gregário do ser humano sendo privilegiado. Vantagem indiscutível é a de que a convivência não depende,  pelo menos o tempo todo, da ingestão de álcool como em outros ambientes. Os encontros ocorrem de forma aleatória em alguns casos, como quando se vê amigos antigos e que são encontrados nos eventos sem que isso tenha sido resultado de qualquer planejamento. Já outros encontros são bem previsíveis como, por exemplo, quando se visita uma equipe de corrida e se encontram aquelas figurinhas carimbadas que já fazem parte daquela turma.
    Os resultados são, em nível pessoal, uma parcela importante de tudo que ganha nas corridas. Conseguir atingir uma meta, é um exemplo, mesmo que seja a de não parar de correr até a chegada. Também é divertido tentar manter um ritmo para se obter um determinado tempo. Em alguns casos, apesar de amadores, alguns corredores têm como meta o pódio. Apesar de serem poucas as pessoas que podem se dar a esse luxo, também é um objetivo louvável nas corridas. A superação vem de qualquer forma. Até por se estar sem treinar há  muito tempo ou por não se ter passado bem no dia anterior. A satisfação de conseguir chegar é indiscutível. Até uma ressaca controlável é um ponto a mais para sentir-se superando as expectativas.
    Mas essa coisa toda de virar moda faz com que algumas interpretações do assunto fiquem meio deturpadas. Pelo lado dos atletas vê-se gente que não tem perfil nem para levar o lixo para fora tentando fazer algo que não condiz com o seu caráter.  Pelo lado das empresas há organizações com baixo nível de profissionalização e que dá sorte de organizar o evento certo por pior que sejam as condições que oferecem. E ainda há os efeitos externos da realização dos eventos tanto para  as famílias quanto para a comunidade em geral.
    O caráter de uma pessoa não precisa ser ruim para ser fraco. O fato de o sujeito não ser capaz de fazer um esforço maior, como no caso de uma corrida de rua “de verdade”,  não diz necessariamente nada de mal sobre ele. É até normal que alguns seres da espécie mantenham um comportamento atávico de autoproteção e evitem a todo custo desgastar as energias do corpo. Essa diversidade foi importante para que a raça humana chegasse até aqui. É importante que existam os fortes que vão atrás e se atiram aos desafios. E que também haja os fracos que ficam para trás e que enterram os guerreiros e curam os feridos.
    O problema é quando não se percebe que não há como lutar contra o próprio perfil. Nas corridas acontece isso. Gasta-se um bom dinheiro. Compra-se um tênis caro. Paga-se uma assessoria de corrida. Mas não há como mudar o perfil, as características psicológicas. Então o sujeito vai lá, mas não vai. Não há empenho, energia, postura de quem vai conseguir. São os grandes passeadores das eternas provas de 5km que só servem para encher os bolsos dos organizadores. Mais um obstáculo para se desviar para quem vem atrás. Só isso.
    Há eventos realmente muito importantes de corrida de rua acontecendo por aí. Todos esses eventos nasceram pequenos. E pequenas e não tão profissionais também eram as empresas que os organizavam. Acontece que os empresários parecem fechar os olhos às necessidades de acompanhar esse crescimento. O número de corredores vai aumentando. As necessidades de organização, logística, de treinamento de colaboradores crescem junto. Mas a ambição e a vontade enorme de ganhar dinheiro não permitem que se façam as devidas adequações.
    O resultado são eventos enormes com milhares de corredores e com péssima organização. Os postos de água são muito distantes. Não há continuidade no abastecimento dos postos. O ritmo de corrida é prejudicado devido ao risco que simplesmente não haja mais hidratação no resto do percurso. Horários de saída e percurso podem ser modificados unilateralmente pela empresa. Não há preocupação com cortesia ou com bom atendimento. O próprio texto dos regulamentos mostra a falta de empatia com o “cliente” corredor devido à frieza com que trata de qualquer assunto.
    O kit e seus componentes são a materialização clara da incompetência. Os empresários não lembram que os nomes de suas empresas estão ali gravados e que trata-se de cartões de visita. Aqui também o negócio é economizar. Abusa-se do baixo custo na confecção de cada item. A qualidade das medalhas é cada vez mais inferior e deixam de ter misturas de materiais e ou cores. Vão ficando cada vez menores e desinteressantes como se fosse impossível aos corredores não compará-las com as anteriores. As camisas são de material ridículo que nem consegue imitar um “dri-fit”, seja de que qualidade for. Ainda na embalagem essas camisetas já vêm cheias de fios soltos e desmontam no corpo já no primeiro uso. Tudo isso vai colaborando para construir uma imagem negativa da empresa e mesmo do próprio evento.
    Em relação à população em geral os organizadores também não demonstram grande empatia. O fechamento de determinas vias deve ser rápido e programado. Devem haver planos de escape para quem se vir preso no trânsito por causa do evento. Apesar da boa colaboração da polícia e outras entidades, a organização deve ser rápida na liberação dos espaços. O que se vê é cidadão revoltado com os impedimentos muito prolongados do tráfego e com a intransigência dos promotores desses eventos. O bom relacionamento com a população em geral é um pressuposto para a longevidade desse esporte.
    O esporte denominado “Corrida de Rua” precisa ser pensado e repensado para continuar dando os bons frutos que vem dando. Por um lado alguns pretensos corredores precisam se conscientizar do que seja realmente praticar esse esporte. As empresas organizadoras, por sua vez, devem se organizar melhor e não poupar gastos onde isso possa ser prejudicial. O público interno e externo deve ser respeitado da mesma forma.  A qualidade não deve ser vista como gasto desnecessário mas como forma de garantir a continuidade dos empreendimentos.
    O texto abaixo foi enviado a uma empresa organizadora de um grande evento anual de corrida em Belo Horizonte. A forma e o vocabulário são resultados da pressa e da motivação negativa para escrevê-lo. Mas divulgá-lo tem o objetivo de mostrar a indignação do autor com a bagunça que vem se consolidando como a marca registrada do trabalho de certas organizações.
    “Toda hora essa empresa dá mostras de que quer dificultar a coisas para os corredores. Trata-se de pessoas esses números que vocês tanto pedem acima. Não é só arrecadar não. Ontem foi um ótimo exemplo: Primeiro posto de água aos 4km??? Sem noção. As redes sociais estão aí para divulgar essas coisas. E as exigências ridículas para pegar o kit. Se eu tenho a identidade e o meu nome e cpf estão comprovados de alguma forma, então já era. Entregue-me o meu kit pelo qual eu paguei. Que tipo de empresa acha correta essa buRROcracia toda. Vcs são do governo? Outra coisa é a garrafa fechada de água. E as mudanças de percurso: "quem quiser que peça reembolso". Não importa não é? Por incrível que pareça, um pouco de humanidade não atrapalha as empresas de existirem não. Imagina-se, ou melhor, se vê o que fazem com seus empregados, tipo os poucos que foram contratados para entregar água. Ralação total e falta de organização geral. Treinamento, treinamento e mais treinamento para o staff é o que Vcs precisam. Aprendam a trabalhar com gente que organiza eventos que provoquem menos reclamações. E deixem de ser uns robots em que tudo deve acontecer do jeito que vcs querem. O evento volta da pampulha é um achado que ainda pode ser uma mina de dinheiro - já que isso é o que importa - por muitos anos. Mas a ficha das pessoas pode cair e mostrar o quanto é tudo bagunçado e desumano. Sinto muito esse texto pois eu sei que há gente boa em todos os lugares. Apesar de ser muito difícil perceber isso, às vezes...”

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A festa no campus

    A vida na universidade é alegria garantida e quase todos se dão bem. Outros, melhor ainda. Há os momentos de se lucrar por aprender e compartilhar o que foi aprendido, com a emulação de tantas vocações e talentos. Por outro lado, viver na maioria das repúblicas,  por exemplo, é uma festa sempre animada e eterna. Os poucos intervalos são permeados por uma coisa chamada estudo.  Um grupo bem menor procura se manter à parte, aproveitando quando acha razoável, mas também se esforçando para dar continuidade ao aprendizado que o levou a passar no vestibular. Há ainda os benefícios, aproveitados pela casta nobre que se reveza na direção, que advém de se ter recursos públicos à mão para gastá-los com “autonomia”, o que nem sempre dá os melhores resultados ou que  mesmo incorre em desvios. Mas que é deles. 
    Seja por um período de graduação de 4 ou 5 anos ou numa carreira acadêmica inteira, as oportunidades sempre são muito ricas nesse ambiente. Os espíritos podem ser enriquecidos pelo saber, pela disseminação de conhecimentos e pelo aumento e sistematização dos conteúdos científicos que são ali trabalhados. Mas há também as enormes possibilidades de se festejar a vida, de se consumir o tempo na fruição desenfreada de festas e farras. Há espaço ainda para rechear os bolsos ou pelo menos tirar uma casquinha aqui e ali do dinheiro que está à disposição.
    Os aspectos positivos do ambiente são inolvidáveis. O clima é propício, com alguma disciplina, para que realmente se obtenha desenvolvimento intelectual. Seja absorvendo conhecimento ou disseminando o que foi aprendido o ser humano vai se enriquecendo e melhorando o mundo em que se vive. Às vezes os resultados não aparecem tão rapidamente, o que não quer dizer que não se esteja verdadeiramente tentando. Alunos e mestres se misturam nessas tarefas que enriquecem a vida de todos. Há espaço, quando bem utilizado, para o desenvolvimento dos talentos e vocações e o incremento dos conteúdos científicos de cada área.
    Mas há também alguns pontos fracos. Há uma turminha boa que leva a vida na farra. Passar no vestibular é ser admitido a uma festa sem fim. Bebida, bebida e mais bebida embalam a vida na maioria das repúblicas. Estudar parece ser considerado uma atividade menor e que, ao que parece, não é muito incentivada. Dias de semana, feriados, datas importantes, festas de final de ano – apesar dos que vão para casa – são sempre oportunidades para se queimar mais um pouco de carne – fazer churrasco - e esvaziar as geladeiras que estavam cheias de cerveja.
    A grande maioria dos alunos passa por essa fase e segue em frente, com uma boa quantidade de neurônios a menos, mas ainda capazes de se tornarem cidadãos úteis à sociedade. As poucas ocorrências negativas conhecidas -  as mortes devido aos excessos, por exemplo não esboçam de maneira significativa o nível de risco contínuo provocado pelas farras intermináveis. As notícias ruins são muito poucas em vista da quantidade em que poderiam acontecer. Principalmente se considerado o volume de risco assumido pelas bebedeiras.    
    Entre os estudantes é comum o puro pragmatismo em relação aos estudos. Algumas vezes por ser o que dão conta de fazer pela limitação mental. Outras por preferirem gastar a maior parte do tempo com diversão e outras distrações. Agem nesse sentido as condições físicas e mentais, bem como as ambientais. além da cultura a que o adolescente foi submetido eu seu ambiente de origem. Essas condicionantes não lhe permitem uma valorização da vivência acadêmica em que ele utilizasse todo o esforço que seria capaz de fazer. Reduzidas ficam também as possibilidades de se obter todo o sucesso possível que poderiam obter em situações ideais de esforço e dedicação. Acaba que esse é um aspecto positivo por favorecer ainda mais o sucesso daqueles que se dedicam com mais afinco.
     Aspecto interessante e menos conhecido do grande público é o uso da máquina pública em benefício próprio.  Só uma parcela, bem pequena, se apercebe das verdadeiras necessidades do outro e vive a vida acadêmica com interesse de  ensinar e trabalhar de verdade.  Os bons objetivos não importam para muita gente. Como em um microcosmo, como uma representação de uma unidade política maior como cidades ou estados, as pessoas bem intencionadas não são, geralmente, as que obtém mais sucesso. Os conchavos políticos e as armações costumam ser até piores que os ocorridos nas gestões municipais, por exemplo. 
    Os projetos inúteis garantem uma renda extra em muitos casos. Trata-se de sobrevivência e tentativa de melhorar os parcos ganhos. Textos e mais textos são produzidos sobre o mesmo assunto e “reciclados” quando necessário e de acordo com as prioridades do momento. Conhecimento novo, quando gerado, é caso de surpresa. Gerações e mais gerações de mestres e alunos se revezam a produzir os mesmo assuntos e revê-los sem acrescentar novidades – ou pelo menos sem destacá-las - ou muito menos sem se preocupar com a possível utilidade prática de tudo que está sendo visto (aqui uma ressalva para a necessidade reconhecida de que se  produza ciência pura em alguns raros casos). O retorno do valor investido pelo cidadão no caso das entidades públicas não é nem uma das metas principais. O principal, com raras e honrosas exceções é se dar bem no jogo de vaidade  e ajudar os amigos.  Admissões são feitas de maneira confusa e os julgamentos, muito pessoais, não são claros nem objetivos nem muito menos transparentes.
    Em todos esses casos as exceções sustentam o processo e são sustentadas por eles. Não houvesse os alunos sem compromisso e os conscientes teriam que estudar muito mais para se dar bem. Os profissionais  vaidosos que procuram alimentar o ego com o reconhecimento público também têm o seu valor. Sem eles, os mais tímidos e compromissados com os resultados não teriam estímulo para mostrarem seu trabalho. Isto por que o volume de produção científica e cultural seria reduzido e ocorreriam menos eventos como seminários, cursos e etc.  Infelizmente, é inerente ao ser humano que seja necessária muita produção de textos para que de uma massa enorme se possa apurar algo de bom. Aliás ciência é isso, segundo já foi dito: mais transpiração que inspiração.
    De qualquer maneira o que prevalece é a diversidade de objetivos e formas como se leva a vida no campus e no seu entorno. A brincadeira desarvorada, inconsequente e viciada de uma boa parte dos alunos é um dos mundos paralelos que convivem juntos e de forma cúmplice. Ali bem ao lado, procurando-se muito, há que se encontrar alunos conscientes cujo comportamento será, em geral, o responsáveis pelos bons resultados que terão no futuro. Entre os profissionais a seriedade com a busca de resultados se mistura com a sobrevivência e faz com que alguma coisa seja produzida de novo, a muito custo. Não se pode esquecer dos manipuladores do  patrimônio que, com poucas exceções são os que reinam sobre o dinheiro da entidade da forma que acham melhor mas também são os que fazem com que tudo funcione. As exceções aqui, além de confirmarem as regras, ainda são sustentadas por elas, ao longo de anos e anos e anos.






   

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A vinculação de despesas envolve riscos.

    A vinculação das receitas a determinados tipos de despesas públicas e previsão em lei dos percentuais pode prejudicar os resultados da administração pública. Certos gastos podem exigir o deslocamento de percentuais maiores da arrecadação para áreas específicas. Certas fontes de receita, como os royalties, poderiam momentaneamente atender a outras áreas e não somente à educação como hoje definido. Não existe a possibilidade de autorização prévia para alocações que não se enquadrem nas proporções impostas. O descumprimento continuado das normas devido à sua não adequação à realidade da gestão pode fazer com que surja uma cultura de maus administradores e até mesmo induzir a prática de corrupção. 
    As áreas a serem atendidas com os gastos públicos são muitas e a cada ano as demandas são diferentes em cada uma delas. Certos aportes a uma área podem atingir valores muito grandes e que não obedeçam às proporcionalidade previstas na lei sem que isso signifique mal emprego dos recursos. A título de exemplo, é possível pensar que um município mais eficiente e com um valor satisfatório de ingressos pudesse cumprir todas as suas metas no ensino com apenas 20% do seu orçamento. Mas é obrigação constitucional do Município investir 25% do seu orçamento em educação.
    Em relação a receitas e percentuais de gastos a serem feitos terem de ser vinculados com determinadas áreas há o problema de se definir prioridades. Nesse caso, outra área importante , a saúde, poderia receber pelo menos parte dessa diferença, o que, legalmente não é possível. Mais se agrava a situação com a informação de que os royalties com a produção de petróleo também deverão ser atrelados a despesas com educação a partir deste final de ano de 2012. Neste caso é de se questionar se não foi ponderada a possibilidade de amarrar esses gastos à saúde.
    Não há uma instância capaz de autorizar a realocação desses recursos em proporcionalidade não prevista na lei. Um tribunal ou os órgãos de controle interno ou mesmo o ministério público não possuem autoridade para permitir diferenças nessa alocação. Não há como se formalizarem documentos que autorizem um prefeito municipal a descumprir esses percentuais, por mais nobre que seja a causa defendida.
    O fato é que tais leis tendem a não serem cumpridas em alguns casos e nos quais se vão eternizando.  Mas o preço pago pode ser alto. Muitas vezes os gastos são maquiados e a contabilidade dos municípios alterada para conseguir a aprovação de uma prestação de contas. O jogo de cintura e o uso de artimanhas são as formas encontradas para conseguir cumprir as metas. Isso ocorre mesmo nos casos em que não se constata nenhum desperdício ou imoralidade nos gastos.
    A imposição de uma legislação desconectada da realidade faz com que o gestor se acostume a descumprir a lei. Até mesmo o perfil do possível candidato a um cargo público pode ser definido pela necessidade de que ele seja capaz de se adaptar, negativamente, à necessidade de burlar as normas impostas. E pior ainda, esse administrador também pode se sentir no direito de, por causa do risco sofrido, exigir uma maior remuneração pelos serviços prestados, ainda que ilegal. Pode acontecer por exemplo que tal fato implique a possibilidade de que se venha a praticar irregularidades maiores buscando se locupletar.
    Apesar das boas intenções incutidas na criação de percentuais de gastos e vinculação de receitas há que se ponderar os riscos envolvidos. As limitações são impostas a diferentes realidades indiscriminadamente. As obrigações legais impõe proporções homogêneas podendo prejudicar os resultados a serem alcançados. Não existe instância autorizada a permitir a flexibilização desses volumes de gastos. O resultado é que os gestores tendem a se articular para dar soluções indevidas a tal imobilidade. Num círculo vicioso o gestor é convidado a agir ilegalmente podendo resultar, inclusive, numa pre-seleção de maus indivíduos que estejam dispostos a desafiar constantemente a legislação. 

Fiscalizações, auditorias e atividade policial não deveriam sofrer reduções de despesas pelos mesmos critérios de outras entidades.

    Os órgãos públicos que exercem atividades policiais, controle externo e interno e fiscalização em geral não deveriam ser submetidos a cortes lineares de despesas relacionadas às suas operações. Algumas exceções são abertas independente da vontade dos administradores. Já o estrito cumprimento da legislação pode provocar a perda do momento certo de se fazer uma intervenção eficiente. E a imagem passada ao público pode ser prejudicial à própria administração.  À opinião pública, ciente de tal situação, pode parecer que não há interesse da administração central em apurar irregularidades que pudessem lhe comprometer. Ainda que buscando a economia de recursos tais atitudes correm o risco de serem mal interpretadas.
As atividades policiais podem perder o momento certo para serem feitas se tiverem que se ater à obrigação de cumprimento de prazos de autorização para realização de despesas. É fato conhecido que, havendo necessidade explícita como no caso de uma ordem judicial, as ações policiais são autorizadas em caráter de emergência. Nesse caso, as despesas, inclusive diárias, que possuem legislação que manda que sejam pagas com antecedência – direito pessoal do servidor - possam ser restituídas em caráter de indenização. Certo é que o descumprimento continuado da legislação, mesmo com justa causa, pode criar uma cultura de descumprimento sistemático das normas.
    Outros órgãos, além dos que exercem atividades policiais, podem também ter um momento certo para que executem determinadas ações. A própria doutrina sobre controle e auditoria já inclui observação de que o melhor acompanhamento das atividades dos gestores públicos é realizada justamente ao longo da implementação dos projetos. As verificações efetuadas após a sua conclusão não alcançam o mesmo nível de eficácia. Uma obra mal executada, por exemplo, poderá resultar em gastos inúteis que não poderão ser restituídos ou corrigidos. E pior, o prejuízo só há de aumentar à medida que se busque a correção dos erros não verificados no devido momento.
    Há ainda o problema da visibilidade externa: A submissão das despesas de órgãos com funções de investigação, fiscalização e de auditoria aos mesmos critérios de autorização de outros órgãos pode denotar, conforme o volume em que ocorrem a possibilidade de que a população e ou a imprensa venham a perceber tal cerceamento como forma de proteger interesses escusos. Sempre é possível que haja manifestações do tipo: “Ora! Não há interesse em que tais órgãos executem suas respectivas funções.” Ou “num contexto, por exemplo, em que os mais atingidos pelas atividades seja a própria administração, é claro que não se deve incentivar tais trabalhos!”
    É importante garantir o pleno funcionamento das atividades policiais e de fiscalização em geral, inclusive controle interno e externo. Havendo demandas judiciais, por exemplo, as organizações terão de executá-las como for possível, inclusive com o sacrifício pessoal do direito às devidas verbas de indenização. Cria-se então uma cultura em que o descumprimento das normas faz parte do cotidiano das entidades. No contexto apresentado as atividades de controle também são prejudicada pelo caráter anacrônico em que passam a ser realizadas. Ao chegarem ao conhecimento público tais informações podem ser tratadas como meio de proteger interesses excusos e não de economizar os recursos públicos.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Escolha o seu motivo para não ser associado a um sindicato

    A realidade em vários sindicatos é que os percentuais de associação são cada vez mais baixos. O resultado é que os ingressos financeiros ficam reduzidos e os projetos a serem realizados ficam cada vez mais  colocados em risco. 
    Agrava o problema o fato de que uma agremiação com um percentual muito baixo de associação pode ter sua capacidade de representação questionada pelos negociadores dos empregadores.
    Fatos como o ocorrido com os funcionários de um dos bancos oficiais são bem ilustrativos. A entidade conta com um percentual de associação inferior a 40%. Chamados a participar das assembleias, o comparecimento,  mesmo dos sindicalizados, foi ínfimo. O governo dava, exatamente naquele dia, um ultimato aos sindicatos para que aceitassem ou não uma proposta de aumento definitiva e indiscutível. Sem qualquer respaldo para se posicionar definitivamente, os responsáveis pelo sindicato não acolheram a proposta do empregador. 
    Quando surpreendidos pelo fato de que ficariam sem aumento no ano seguinte, os servidores, sindicalizados ou não, decidiram por culpar a associação pelo ocorrido.
    O caso acima é apenas um exemplo de que o caminho da não associação é um caminho perigoso. Mas não basta exemplificar o que pode acontecer de errado quando não houver a devida adesão dos servidores ao sindicato. É importante também pesquisar e tentar identificar os motivos pessoais que levam este ou aquele servidor a não se associar.
    Buscando suscitar possibilidades para o entendimento da questão são apresentados a seguir alguns esboços das possíveis motivações para que os servidores, sobretudo os recém admitidos não se interessem em participar dessas agremiações.
    Todos os motivos alegados para que um servidor não se associe a um sindicato ou associação de funcionários são ruins. Alguns casos se devem ao caráter da pessoa que os invoca e podem demonstrar algum tipo de abjeção ou mesmo fragilidade mental. Já outros  são ruins por  justificarem a não adesão de boas pessoas e bons companheiros de trabalho. Observação necessária a ser feita é que, como em qualquer assunto que se relacione ao ser humano, a decisão por se associar é fruto de um processo de interação entre dois ou mais dos argumentos que são detalhados a seguir. 
    Em relação à conformação do caráter da pessoa que se nega a ser sindicalizada podem ser  citadas pelo menos três situações. No primeiro caso existe a certeza de que outros associados farão os pagamentos necessários à subsistência da associação e sustentarão a causa para os que não se associarem. Outro caso que diz muito sobre a personalidade do servidor é não se associar para não gastar o dinheiro da mensalidade. Mais inofensivo é aquela pessoa que não participa de nada mesmo por pura deficiência na capacidade humana de interação.
    Maquiavelismo é pouco para descrever esse primeiro caso. Ciente de que vários servidores mais conscientes não deixarão de financiar o sindicato ou a associação, estes tipos jamais se sentirão na obrigação de comparecerem com os recursos financeiros que tanto prezam. Mais elaborada que a simples propensão à economia originada na avareza, este cidadão é capaz de fazer uma análise mais elaborada da situação e chegar à conclusão de será capaz de usufruir os mesmos benefícios que os outros sem que tenha desembolsar qualquer ganho.
    O avarento não vai contribuir para o sindicato para não gastar o dinheiro da mensalidade mesmo. Não se trata de uma decisão pensada como no caso do maquiavélico. Trata-se apenas do impulso impensado e instintivo do coletor compulsivo. Não importam a ele considerações éticas, participação social, agregação ou outro tipo de argumentação sobre a necessidade de participar. O seu impulso e a sua forma de existir estão ligados à acumulação irrefletida de qualquer trocado que puder amealhar ou melhor, deixar de gastar. O seu dia a dia será gasto, como soe acontecer nesses casos, em inventar motivos para não gastar e meios de justificar a economia exacerbada.
    A menos agressiva das características pessoais é a daquele colega que tem uma conduta relativamente inerte em relação à convivência e à participação social de qualquer espécie. Seja por timidez ou embotamento mental ele não consegue uma interação satisfatória em várias situações do dia a dia. Não vai a reuniões sociais com os outros colaboradores, não se preocupa em distribuir bom dias ou visitar a sala dos outros a não ser por necessidade. Neste caso a não associação ao sindicato é apenas uma faceta desse comportamento indolente. Geralmente trata-se daquele tipo de pessoa que fazia papel de árvore ou de riozinho no teatro da escola. São os famosos “caras de paisagem”.
    É importante notar, entretanto que alguns motivos são um pouco mais nobres e justificados. Pode ser a dificuldade em organizar o orçamento para conseguir fazer os pagamentos. Pode ser a sensação de estar sendo usurpado pelo pagamento de um valor que será mal utilizado. A falta de confiança na direção do sindicato devido ao histórico ruim de gestões anteriores e à repulsa generalizada a assuntos de natureza política são outros motivos que podem ser identificados para a não associação. 
    Em alguma fase da vida qualquer pessoa poderá ter dificuldades financeiras. É até natural que isso aconteça e certamente as despesas menos importantes é que deverão ser cortadas. Nos casos em que o servidor chegar à conclusão que o custo benefício de ser associado não está valendo a pena e naquele exato momento estiver titubeando em controlar seu orçamento, este poderá ser o momento em que ele não se associará. Mesmo um associado que não for devidamente amparado, coisa que os sindicatos poderiam ser autorizados a fazer, mas não são, pode vir a considerar a hipótese de deixar a associação mesmo que momentaneamente.
    Às vezes o abandono do sindicato pelo servidor para economizar pode ser meio questionável. Em casos como aqueles em que o recolhimento é inferior a 1% do salário mensal, por exemplo, o acréscimo na renda líquida pela ausência do desconto referente ao sindicato pode ser mais psicológico que efetivo. Num universo salarial de R$5.000,00, por exemplo, o incremento de R$40,00 certamente não terá impacto definitivo na solução dos problemas financeiros do servidor.  Consideradas todas as outras implicações de participação e possíveis benefícios recebidos, várias serão as situações em será melhor continuar associado.
    Outro caso em que a não associação tem que ser respeitada é quando o sindicato não inspira confiança nos associados em potencial. Infelizmente o histórico de determinadas associações inclui desvios, falta de prestação de contas e mesmo a roubalheira desenfreada. Em certos casos até mesmo o histórico pessoal de ex-presidentes e outras pessoas ligadas à cúpula da associação faz com que essa carregue uma pecha de má gestão. Cabe aos possíveis associados verificar se há novidades nas novas gestões que possibilitem uma visão mais otimista sobre os destinos do dinheiro que está sendo tomado de seu salário.
    A falta de informação e a cultura pessoal restrita é um outro fator que deve ser respeitado quando um servidor não quiser ser associado. Muitas pessoas que atualmente estão ingressando nos concursos são oriundos de famílias que vivenciaram o peso do período ditatorial no país. Este é apenas um exemplo de várias situações que podem trazer ao possível associado a impressão de que se sindicalizar é uma forma de rebelião, de “procurar problemas” e de não cumprir devidamente os deveres de cidadão e, principalmente do cargo que ocupa. Somente a disseminação de informações concretas sobre o direito de associação e o apregoamento da necessidade dessa associação poderão vir, talvez a reverter esse processo de não reconhecimento dos próprios direitos bem como a necessidade do exercício de seus direitos constitucionais.
    Repulsa generalizada a assuntos relacionados a politica. A expressão quase não precisa ser explicada. Há uma  arraigada cultura difundida pela imprensa e vivida pelo contribuinte de que a maioria do que se trata sobre política é abjeto. Os assuntos assim como seus atores são, de forma generalizada, considerados anti-ético, merecendo desprezo pelo cidadão que busca agir de maneira mais correta. Não seriam necessários muitos outros argumentos para que se sentisse aversão à sindicalização. Basta se cogitar a possibilidade de se estar indiretamente contribuindo para a campanha de um deputado ou senador, por exemplo, em busca de favorecimento na obtenção de aumentos e outros benefícios para a carreira.
    Infelizmente a argumentação para que um servidor não seja associado gira muito em torno dos valores financeiros. Qualquer um que tenha um mínimo de bom senso vai levar em conta o fato de que há um determinado valor saindo de seu salário e que esse valor deve ser o mais bem empregado possível. Considerações sobre a necessidade de agremiação, sobre a capacidade de mobilização do sindicato somente terão caráter acessório quando não se puder valorizar, quantificar, efetivamente o benefício recebido pelo fato de ser associado.
    Raros devem ser os casos em que dois ou mais dos “sintomas” aqui listados não se combinem para determinar a motivação para que um servidor não queira se associar a um sindicato. Cabe aos interessados, inclusive o simples sindicalizados mas principalmente aos quadros da direção que tentem pesquisar e entender a motivação para se refutar a associação. Em seguida cabe a análise da situação diagnosticada e a criação de um projeto sistemático e tão abrangente quanto possível para a reversão do quadro apresentado, ou em última instância, a sua melhoria.
    Erros de avaliação sempre ocorrerão. Tanto o servidor de posse de seu direito não obrigatório de associação quanto as entidades precisam estar conscientes da necessidade constante da revisão de suas posições. Somente o trabalho continuado de pesquisa, distribuição de informação e argumentação permitirá que tais instituições previstas e autorizadas pela Constituição Federal continuem exercendo devidamente suas funções de equilibrar as relações entre empregadores e empregados.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Uma contabilidade pública mais próxima da realidade

         Os normativos e mesmo a doutrina mais recentes sobre contabilidade pública reforçam a necessidade de que se proceda à sua aproximação com a contabilidade privada. O caminho para implantação desses métodos é longo e já de início apresenta alguns riscos que devem ser evitados. Como exemplos, podem ser citados os cuidados que se espera que sejam tomados pela administração pública com o cálculo de depreciações, provisões e reavaliações e diferimentos, termos que serão explicados a seguir.
         É importante realçar que as regras gerais são definidas pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN do Ministério da Fazenda. Mas o objetivo é atingir a todos os entes públicos: Estados, Municípios, suas respectivas fundações e, lógico, quaisquer entidades que venham a gerir recursos públicos.
         Somente com a padronização de planos de contas, lançamentos contábeis e procedimentos para execução é que se pode vir a vislumbrar uma consolidação mais consistente dos resultados orçamentários e financeiros da gestão pública de toda a federação.
         Quanto mais exata a aplicação desses procedimentos maior a certeza de que a entidade está utilizando o regime de competência, entre outras vantagens. A competência envolve o registro das possíveis receitas e despesas a seu devido tempo, ou seja, quando ocorrido o fato gerador. Trata-se de condição necessária ao aprimoramento da informação produzida. Qualquer variação, pequena que seja, nos critérios e nos montantes obtidos pode vir a causar grandes diferenças no somatório total contido nas demonstrações.
                                Provisões
         As provisões não são nada mais que reconhecer periodicamente uma obrigação a ser cumprida no futuro. A prática ainda existente na maior parte dos entes públicos é que a contabilidade só registre férias a pagar ou décimo terceiro no mês do seu pagamento, o que não espelha a verdade.
         No primeiro mês do ano o servidor já tem direito a uma parcela do décimo terceiro a ser pago. O ente público portanto, já deveria ter, registrado no seu balanço, o valor dessa obrigação. No final do primeiro mês após as férias já deve ser reconhecido contabilmente o direito do servidor às suas próximas férias. Somente apresentando tais despesas sendo acrescidas gradualmente ao longo do tempo é que a contabilidade pode representar melhor a situação de fato.
         O descuido no registro dessas provisões infla o superávit ao longo do ano, no caso do décimo terceiro. Faz com que um grande valor de despesa seja reconhecido apenas no momento do pagamento do décimo terceiro o que é feito geralmente no final do ano. Já no caso das férias, a percepção de uma “bolha de despesa” só será sentida nos meses anteriores aos grandes volumes de férias escolares em que uma quantidade maior de servidores também estará gozando tal benefício.
                                 Reavaliações
          É muito comum que os responsáveis pelo inventário em vários órgãos públicos encontrem nos relatórios anteriores bens registrados por valores irrisórios de R$0,01 ou R$0,02. A situação se torna até cômica quando se considera que isso pode acontecer mesmo a imóveis localizados em áreas nobres das cidades e os quais podem ter grande valor econômico.
         A atualização desses valores poderia permitir uma melhor avaliação dos recursos imobilizados do ente público. Analistas responsáveis por conceder créditos a tais entidades poderiam ter informação melhor à disposição. Com o incremento das atividades relacionadas à transparência pública e a nova Lei de Acesso à informação, mais importante se faz considerar que a correta valorização de tais bens públicos. Não se trata  apenas de um procedimento burocrático mas uma necessária implementação de tais instrumentos legais.
          Mesmo que já cumprido o tempo previsto para depreciação total, a maioria dos bens ainda possui valor de mercado. Assim um imóvel que já tenha mais de 25 anos de construção pode ser reavaliado, somando-se o incremento do valor a seu valor contábil. O mesmo pode ocorrer para veículos que duram mais que 5 anos e os equipamentos hospitalares, por exemplo.
          Exemplo de que é necessária a correta divulgação dos valores de um imóvel se dá no caso da venda desses bens a particulares. Sobretudo quando se trata de ruas, a reavaliação passa a ter importância capital de modo a dar respaldo à administração pública para que venha a cobrar um determinado preço. Caso o valor em questão seja muito abaixo ou muito acima do mercado cabe à população e a seus amados representantes questionar a venda em questão e os possíveis prejuízos oriundos do preço executado.
                                 Diferimento
           O diferimento ocorre quando o fato gerador de uma despesa ou uma receita não ocorre todo de uma vez, apesar do ingresso ou saída de recursos financeiros. Uma obra ou instalação que vai beneficiar a entidade por 5 anos ou mais não pode ser tratada como prejuízo de apenas um mês ou ano em que o gasto correspondente foi realizado. Um adiantamento grande para pagamento pela construção de um navio ou edifício não deve ser apropriado como lucro, ou superávit, de apenas um período. Mesmo uma aquisição de alimentos, material de expediente ou rações ou outras despesas de custeio devem ser apropriadas quando do seu efetivo emprego, ou seja, do seu fato gerador.
            Caso não ocorra o diferimento, estará sendo utilizado o Regime de Caixa. Trata-se de forma simplória de apurar o lucro ou, no caso de entidades públicas, o superávit. Ao adquirir certos bens que durarão vários períodos sejam de investimentos ou custeio, capitais ou correntes, os valores são totalmente lançados como despesas no período em que há a saída de caixa. Não se pode falar em regime de competência nesse caso.
             Exemplo é a instalação de divisórias num conjunto de salas. Inicialmente, deve-se imaginar quantos períodos de apuração, sejam mensais ou anuais, serão beneficiados pelo trabalho pago. Chegando-se a um número de 60 meses, por exemplo, o procedimento correto é que se reconheça cada 1/60 dos gastos como despesa a cada mês.
                                  Considerações gerais
             É importante se perceber que cada um dos conceitos aqui apresentados deve ser detalhado para cada caso de acordo com a legislação específica e em cada esfera de governo. Assim se uma prefeitura decidir por apurar a exaustão de uma mina em que o município participe diretamente na exploração, poderá e deverá fazê-lo baseado na legislação municipal a respeito que, no entanto, não poderá contrariar normas superiores impostas pelas leis da União.
              Entre outros vícios a ser evitados estão a falta de padronização detalhada dos procedimentos que podem levar a grandes diferenças de resultados nos cálculos dos lançamentos acima. Pequenas diferenças que parecem insignificantes – na faixa de 0,01% do orçamento total – podem vir a se tornar vultosas quando analisados os valores totais desses “acertos”. Fazendo-se cada cálculo com o máximo de diferença aceitável – critério do custo-benefício – garantem-se valores finais mais condizentes com a realidade. O que em nível local parece não ter significado pode-se tornar “uma bola de neve” no universos dos valores consolidados.
              Outro vício a ser contido sobretudo pelos níveis centrais de decisão é o excesso de exigências feitas a pequenas entidades. Prefeituras, fundações e mesmo algumas Oscips e outras entidades gestoras de recursos públicos podem não ter condições de efetuar lançamentos detalhados com a produção de relatórios exaustivos sobre todas as atividades executadas. Os projetos, inclusive pelo caráter transitório, podem não ter condições em termos de custo-benefício e mesmo logísticas de vir a se enquadrar em todas as exigências para serem considerados transparentes e integrados à contabilidade pública do país.
              O contato com diversas entidades como prefeituras, e mesmo Estados ou Fundações mostram que o caminho é longo. Vários são os tipos de planos de contas e relatórios utilizados. Sistemas contábeis fornecidos por empresas privadas tratam de formas diferentes os procedimentos aqui apresentados. E ainda há a resistência natural às mudanças. Não se trata de uma peculiaridade apenas do serviço público e exige  trabalho voltado a obter mudanças na própria cultura da organização.
             Entre as dificuldades para mudanças está em se reconhecer a autoridade do ente federal para impor regras. E lembrando-se que estas devem ser atendidas até mesmo pelos tribunais de contas e outras entidades julgadoras. Neste caso deve-se observar que “União” não é necessariamente “Governo Federal” e vice-versa. Em alguns casos, mesmo que não haja motivação política para uma intervenção indireta do governo é necessário que exista uma regra geral produzida por alguma instância em prol do resultado a ser obtido.
             É o caso em questão em que são impostos procedimentos contábeis às entidades por meio de normativos expedidos pelo Ministério da Fazenda. Nessas circunstâncias se fará necessária uma esfera comum que possa emanar regras gerais a serem obedecidas de forma a obter a padronização desejada. Somente assim se pode garantir melhor consolidação e a respectiva consistência dos resultados divulgados ao público.
                                Conclusão
            O caminho a ser seguido pela contabilidade pública é o de se assemelhar, tanto quanto possível, aos procedimentos da contabilidade privada. A não aplicação de procedimentos básicos que garantam a correta aplicação do regime de competência tende a diminuir.  As inconsistências dos cálculos e as variações de metodologia aplicada devem ser reduzidos de forma a que não se obtenham somatórios distorcidos nos resultados apresentados.
            Por outro lado as exigências de detalhamento e obediência às regras devem se adequar ao tamanho e escopo da atividade desenvolvida pelas entidades de qualquer esfera. Os regulamentos, manuais e até a doutrina produzida devem ser de conhecimento e aplicação geral mas respeitando às características particulares e à autonomia de cada ente.
            A tarefa é longa e ininterrupta. Algumas entidades apenas engatinham na padronização dos procedimentos e claro que há e haverá sempre resistências às mudanças. Mas o trabalho constante, o treinamento e a revisão contínua de procedimentos sempre haverão de garantir o cumprimento da legislação e a melhoria da informação produzida.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Prejuízo que vira lucro e lucros...

Os prejuízos das empresas, algumas vezes,  só podem explicados como uma boa forma de aumentar os lucros, seja os da própria entidade ou seja o de seus diretores e investidores. Por um lado as perdas geralmente são passíveis de previsão já durante a fase de operação em que estariam ocorrendo, ou pelo menos deveria ser assim. E se não é feito, ou tentado um revés é porque um bom motivo deve existir. Também é uma forma eficaz de reduzir o imposto de renda e outros tributos e gastos a serem efetuados em proporção ao lucro porventura obtido.
    As empresas todas, ou pelo menos a maioria,  possuem uma estrutura de apuração dos gastos, ou seja, o custeio. Ou, pelo menos, assim deveria ser. À medida que as operações ocorrem já deveria ser possível registrar os valores de perdas operacionais ocorridas. Um questionamento que se pode fazer então é por que o processo não é revertido. Os preços dos insumos básicos, por exemplo, poderiam ser renegociados, assim como poderiam ser revistos outros custos e processos relacionados às atividades em questão. Somente um “insider”, uma pessoa que esteja plenamente informada da forma como a empresa é administrada, poderia ter certeza de que foi feito o melhor esforço possível para a obtenção de lucro.
    Em relação à aceitação de preços altos de insumos é necessária uma observação: Por meio de "Caixa 2" os compradores podem combinar um preço superfaturado com o fornecedor. A diferença liberalmente paga a mais pela empresa poderia ser depositada em um paraíso fiscal ou revertida na aquisição ou fornecimento de outros bens em momento posterior. Tudo depende das oportunidades disponíveis e do poder de decisão de cada gestor responsável. 
    Por outro lado, o imposto de renda e vários outros gastos como a divisão de lucros e o pagamento de dividendos é pago sobre os ganhos reais obtidos. Um prejuízo simulado surge então como ótima opção de redução dos gastos. São várias as formas de ganho daí oriundas. A queda do valor das ações no mercado associada à certeza de que a desvalorização é “passageira” permite a sua aquisição a preços mais baixos e a geração de ganho certo com essas operações. Até a própria empresa pode, legalmente, fazer essas aquisições - ações em tesouraria -  dentro dos limites previstos em lei. A consciência de que a empresa vai se recuperar, mesmo porque nunca houve crise, garante, certamente, vários tipos de ganho para vários dos envolvidos.
    Engordando o lucro das empresas, a realização de um falso prejuízo pode trazer ganhos a vários participantes do processo de sua gestão. A falta de ações específicas na tentativa de rever procedimentos e valores de insumos que oneram os processos pode indicar uma permissão implícita dos gestores de que tais prejuízos ocorram. Constatadas as perdas operacionais, são várias as formas pelas quais se podem reduzir os valores a pagar de tributos, dividendos e divisão dos lucros e há vários meios de se obter ganho financeiro com os recursos disponíveis no mercado de capitais.
    Geralmente o investidor formiguinha fica à mercê dos grandes investidores que se confundem com os gestores dessas grandes empresas. Cabe a ele verificar se, em que proporção, a médio e longo prazo, o “lucro” desse tipo de operação está sendo devidamente dividido com todos os interessados ou se está sendo embolsado por apenas uma fração.

segunda-feira, 26 de março de 2012

A Importância das Ouvidorias

       A legislação e a doutrina que tratam de ouvidorias é farta e se enriquece de detalhes de acordo com o tipo de entidade que está sendo estudado. O que as normas e as ciências às vezes não deixam claro são as vantagens de se ter uma boa ouvidoria em qualquer tipo de empresa ou mesmo e até principalmente em órgãos públicos. A produção de informação gerencial e de documentos formais sobre situações de fato e a redução de arestas originadas nos interesses políticos, por exemplo, são apenas parte de todo o potencial desse instrumento administrativo.
Uma ouvidoria bem organizada pode levar ao conhecimento dos gestores informações que vão dar respaldo à tomada de decisões em determinado momento. Caso um dos imóveis esteja se depreciando demais, se um dos veículos está sendo utilizado de maneira indevida, o ouvidor é o servidor ideal para documentar e embasar tanto quanto possível a veracidade, a gravidade e os possíveis efeitos desses fatos para o futuro da atual gestão.
Receber queixas não é de todo ruim. O importante é canalizar as reclamações de forma a que elas venham a servir de indicadores pontuais de decisões a serem tomadas. Caso seja desenvolvida na instituição uma politica de bom uso da ouvidoria para diálogo com seus dirigentes  pode-se vislumbrar a criação de um grande volume de informações úteis. Este instrumento, devidamente conjugado com a Contabilidade e outros instrumentos de gestão, podem vir a produzir um retrato da gestão como um todo, assim como do desempenho da administração atual. Nesse ponto pode inclusive visualizar-se um círculo virtuoso em que o gestor munido de boas informações sobre sua gestão se esforçará em trabalhar as áreas mais frágeis de sua gestão da mesma forma que já age onde é reconhecidamente eficaz.
As ações das ouvidorias podem incluir a produção de documentos como declarações, atestados, relatórios que podem vir a servir de base para que o gestor possa dividir suas responsabilidades e inclusive se eximir de possível atribuição de culpa sobre certos assuntos. Um exemplo é no caso de um contrato ou um convênio que seja mal executado por uma empresa terceirizada, por exemplo. Atribuir a responsabilidade pela fiscalização de um serviço ou pela conferência de um serviço a apenas uma pessoa é arriscado no sentido de que tal pessoa pode ser mais facilmente influenciada. A documentação produzida pela ouvidoria pode servir de base, inclusive legal, para rescindir um contrato ou mover processo judicial, no caso de uma dessas necessidades.
Uma ouvidoria bem estabelecida e entregue a um bom profissional pode vir a se tornar uma ilha de imparcialidade. Sobretudo em instituições muito politizadas em que há divisão de interesses verticais (diferenças de poder, de renda ou de interesses culturais) ou horizontais (religiosas ou partidárias, por exemplo) o ouvidor surge, juntamente com o controlador a ponderar os verdadeiros problemas a serem resolvidos na instituição. Neste sentido é importante lembrar que a imparcialidade é uma obrigação constitucional, no caso do serviço público, e uma questão de bom senso na iniciativa privada. Os problemas devem ser encarados de maneira objetiva, eximindo-se o agente ouvidor, assim como o administrador de impor seus posicionamentos pessoais acima dos interesses da organização. Não se trata de não ter opinião, no plano pessoal, mas o profissional de tais áreas deve ter em mente que seu posicionamento não pode incluir paixões, tratamento diferenciado, preconceitos ou quaisquer influências que possam prejudicar sua avaliação.
  Percebe-se a importância que uma ouvidoria poder para qualquer organização seja pública ou privada. A geração e a formalização da informação  colaboram a para a tomada de decisões. Acrescenta-se ainda a possibilidade de se dividir responsabilidades e uma filtragem imparcial dos dados que realmente interessam para as finalidades das instituições são apenas uma parte do muito que esse órgão, bem estruturado, pode vir a acrescentar ao bem de uma administração.

Legislação para consulta:
Constituição Federal 1988 - Art. 37;
Lei 8.078 de 11/09/1990 - Código de Defesa do Consumidor
Decreto nº 3.507 de 13/07/2000
Decreto nº 4.490 de 28/11/2002
Decreto nº 4.785 de 21/07/2003
Obs.: O objetivo de divulgar as fontes acima é demonstrar que já foi legislado e normatizado em termos de ouvidoria e não simplesmente comprovar a sua obrigatoriedade