A incompetência sempre
é vista como algo negativo. Acontece que num contexto complexo como
aquele em que acontecem as atividades humanas, alguns valores acabam
se invertendo. Mesmo os piores defeitos podem se transformar em
atitudes necessárias à manutenção de uma ordem qualquer e ao
funcionamento de certas engrenagens.
O excesso de
produtividade de um setor do serviço público, por exemplo, pode
atrair a ira de vários outros setores e atrapalhar o alcance dos resultados. Mesmo em empresas e entidades
de alta eficiência certas funções não podem ser exercidas por
pessoas muito capacitadas. Outras instituições de tão pequenas e
incipientes que são, ou pela clientela que atendem, devem agradecer
à existência de uma massa de profissionais pouco capacitados que
possam ser submetidos a péssimas condições de trabalho e salários
parcos. Outros casos são as profissões que só existem em função
de haver uma clientela crédula que acredite na possibilidade de que
tal serviço lhes seja realmente necessário. Nestes casos, a crença
no profissional pode superar o seu potencial de ser realmente útil e
provocar grandes desequilíbrios.
A vida nas
organizações é como uma dança. Quando um casal dança, ambos
devem dançar o mesmo tipo de música. Se um tentar dançar samba e
outro uma valsa, provavelmente não vai dar muito certo.
A mesma coisa acontece
nas organizações. Se um setor trabalha muito rápido, alguma coisa
está errada, ou pelo menos acabará não dando certo. Produtos
ficarão inacabados. Alguns clientes não ficarão satisfeitos e por
aí vai. Mesmo no serviço público, o volume de fiscalizações, por
exemplo, deve ser medido pelo impacto negativo que poderá ter sobre
a opinião pública. São os famosos gargalos institucionais.
Um dos grandes
exemplos neste caso é o serviço público. Milhares de anos de
apadrinhamento e má gestão não vão ter solução em pouco tempo.
20, 30 anos ou um pouco mais de gestão patrimonial não vão
resolver problemas tão antigos. Algumas instituições estão
permeadas de tal forma pela incompetência e mal caratismo que as
mudanças levarão anos e anos a té serem sentidas. Neste ambiente,
qualquer mudança de posicionamento em busca da eficiência tem que
ser muito bem trabalhada para ser aceita. Ou todos ganham alguma
coisa ou o preço a pagar é muito caro devido à resistência
natural.
É normal que uma
pessoa com excesso de capacitação não seja a ideal para
determinados cargos. Muitas das vezes, é necessário que o chefe de
sessão, ou os cargos intermediários seja preenchidos por pessoas
que não percam tempo com questionamentos desnecessários.
Este não é o perfil
dos profissionais com maiores qualificações. Quem estuda mais, quem
lê mais, certamente vai questionar a utilidade de um determinado
procedimento. Este é o profissional que não se contentará em
executar sempre os mesmos procedimentos, com os mesmos defeitos e
limitações de sempre.
Em uma estrutura
institucional arcaica ou viciada não há espaço para grandes
questionadores liderarem.
Caso tais tipos sejam admitidos, mesmo sem
a aquiescência da administração central, devem ser reprimidos,
silenciados ou ignorados. Isso acontece muito em concursos públicos
que são uma forma de admissão em que o gestor não tem como
escolher o caráter, a índole do funcionário. Logo, pode acontecer
de serem admitidos servidores que não se atém às exigências
limitadoras da entidade.
Interessante é
que algumas áreas de formação até facilitam a alienação
profissional. Sobretudo em áreas muito técnicas, o aluno da
faculdade não tem tempo, e nem mesmo uma grade curricular, que lhe
garanta algum aprofundamento em questões filosóficas. Ciência
Política, Economia Política, Filosofia e Sociologia não são
matérias de interesse dessas áreas. E são justamente essas
questões que dariam maior bagagem intelectual ao profissional para
questionar a organização. Trata-se de excelentes técnicos mas de
péssimos questionadores. Sua capacidade de reflexão está limitada
aos princípios e à doutrina de sua área. E raramente será capaz
de filosofar, de questionar ou se posicionar em assuntos que exijam
maior reflexão.
Infelizmente nem todas
as instituições têm o mesmo nível de organização. Outras, pelo
próprio público que atendem e pela forma que trabalham jamais
atrairão os melhores profissionais. Inclusive por não oferecerem
salários que compensem a obtenção de maior capacitação. Com
raras mas honrosas exceções, alguns negócios por exemplo, como
bares mais populares, motéis e ambulatórios médicos,
principalmente públicos, sempre serão lugares pouco procurados por
profissionais mais capacitados. Para que haja uma massa de
trabalhadores disposta a trabalhar em tais lugares e pelos salários
que são pagos é necessário que não haja uma boa formação
profissional.
Em alguns setores do
Serviço público, a exemplo de pequenas prefeituras e instituições
de ensino, precisam necessariamente de que os pretensos candidatos às
vagas disponíveis em concursos tenham capacidade profissional e
intelectual limitada. O pagamento de valores inferiores a 2 salários
mínimos, por exemplo, a psicólogos, enfermeiros e até dentistas só
se justifica por haver alguns profissionais no mercado que não
seriam capazes de pleitear salários melhores que são pagos por
outros empregadores.
É aos profissionais
que não reuniram capacidade laboral e formação geral para partirem
para outras iniciativas que vários municípios têm que agradecer
por conseguirem completar mal e mal os seus quadros. É eles que vão
garantir o funcionamento, mesmo que precário, e o cumprimento da
legislação que obriga à sua contratação.
Faça-se aqui um
reforço na questão das exceções. É muito comum que, mesmo nas
mais distantes cidades do interior do estado alguns profissionais de
excelente formação desejem trabalhar perto de seus lares de onde se
ausentaram cedo em busca do estudo universitário que não
encontraram por lá. Outro grupo importante, mas infelizmente muito
reduzido é o de professores, médicos e enfermeiros, por exemplo
cujos conceitos de vocação e por puro altruísmo entre outras
qualidades individuais tomam a decisão de se deslocarem, mesmo para
longe de suas cidades de origem, para prestarem serviços em regiões
onde seus serviços possam ser mais úteis. Nesses casos as condições
financeiras, logísticas e mesmo as políticas relacionadas ao
trabalho têm menor importância que a realização pessoal.
Neste ponto, o
questionamento sobre a competência alcança mesmo a escola pública
e alguns cursos superiores. A questão pode ser, por exemplo, caso
houvesse mesmo um ensino público de excelente qualidade e que
conseguisse excelentes resultados para um número muito maior de
pessoas, isso não seria ruim para as classes médias e o
empresariado. A competição pelos melhores cargos tenderia a ser
maior e a dificultar a própria vida dos filhos e parentes dos
representantes dessas classes. Esses poucos profissionais com
excelente formação provavelmente não teriam a mesma disposição
da massa com problemas de letramento para ocuparem as péssimas
funções disponíveis em várias áreas do mercado.
Outro
caso menos grave mas digno de nota são as profissões que dependem
da crença dos pretensos clientes para existirem. Antes
de avançar no assunto é necessário se registrar que a
incompetência é uma via de mão dupla. Pode estar localizada em
quem executa um determinado serviço. Mas também, e na maioria das
vezes, inclusive para os casos acima, depende muito de uma clientela
inocente e com pouco senso crítico para que possa continuar a
existir da forma que existe.
São
os casos das profissões que dependem de gente crédula para
existirem. Sem generalizar, mas os instrutores individuais de
educação física – “personal trainners”, os fisioterapeutas,
psicólogos, psicoterapeutas e terapias alternativas em geral
dependem de uma massa de pessoas que acreditem nas formas como os
serviços são prestados de maneira geral. Não se trata de uma
depreciação dessas carreiras. Mesmo a medicina em certos casos,
necessita de que o cliente se disponha a atribuir tal e qual
autoridade ao profissional que vai lhe dar atendimento.
O
problema e onde há realmente incompetência é quando falha o
profissionalismo e entra a fé cega. Grande exemplo são a maioria
dos religiosos que não tem qualquer formação humanitária para que
possam realmente ajudar a seus clientes. Mesmo assim, devido à aura
de sagrado que cerca suas profissões acabam erigidos à autoridade
para a qual não estão preparados. Esse desequilíbrio entre mérito
e autoridade acaba por resultar nas constantes notícias que aparecem
na media sobre abusos cometidos por religiosos.
Há
casos e casos. Mas em geral, os profissionais das áreas citadas
acima são vistos como autoridades em suas áreas. O problema é que,
grande parte das vezes, seus conhecimentos são parcos e não
atingem um nível que permita que profissional mantenha o devido
controle da autoridade que é atribuída a ele. Pergunte-se por
exemplo à maioria dos instrutores de academia quando é que leram
sobre esse e aquele assunto e raramente se dará a grande surpresa de
ver que o sujeito leu mesmo.
Outra
situação perversa é o caso em que, por gerações e gerações os
salários tem sido ruins e a carga de trabalho muito alta ou níveis
de riscos muito elevados. Caso dos contadores ou dos policiais,
respectivamente. É lógico que não serão as pessoas mais
capacitadas que procurarão aquele trabalho. E as que procurarem, mas
se sentirem mais capazes, inevitavelmente procurarão debandar dessas
profissões. Forma-se dessa forma um círculo vicioso que poucas
vezes é quebrado.
Exceção
deve ser feita aqui para os líderes dessas classes que, apesar de
raras vezes saírem de sua área profissional acabam por se darem bem
financeiramente com as promoções que recebem. Tais mudanças nos
postos das carreiras lhes garantem menor carga de trabalho ou menor
nível de risco nas atividades desenvolvidas.
As
causas e as consequências da incompetência são muitas. As exceções
têm que ser repetidamente divulgadas e reconhecidas. Instituições
pobres, empresas que lidam com serviços e clientelas difíceis não
têm como pagar bons salários e acabam admitindo qualquer um. Anos e
anos de baixos salários pagos e condições ruins de trabalho,
vividos por uma classe fazem com que gente mais preparada acabe
procurando outras opções profissionais e condenando determinadas
áreas a admitir pessoal sem boa formação. Em certas profissões a
utilidade e a eficácia do trabalho desenvolvido podem ser superados
pelo carisma do profissional ou mesmo do clima que cerca sua
atividade e fazem com que o foco seja desviado dos verdadeiros
objetivos.
Ou seja, esse mundo não funciona sem gente ruim de serviço. Os
fast foods, os botecões sujos, e todos os lugares menos atrativos
sempre sofrerão com as dificuldades em contratar gente bem formada
e bem treinada. Ao invés de um xingamento, essa conclusão deve
servir de aviso aos responsáveis por esses empregos. Treinem bem
seus funcionários, estimulem-nos, escultem seus clientes mesmo
quando se tratarem de órgãos públicos. Leiam e informem-se para
não ficarem para trás no trem da novidade, da especialização e da
boa capacitação.