Inventar normas é um dos prazeres sádicos dos burocratas, sejam servidores públicos ou não. O número de regras a seguir já é muito grande. Em várias instituições, como no serviço público, elas já estão formalmente estabelecidas. Mesmo assim, qualquer um que esteja investido de algum poder tende a querer aumentá-las. E isso, grande parte das vezes acontece à revelia de quem realmente poderia controlar esse poder. Esquecem-se, ou são absolutamente ignorantes, de que tais abusos lhes fazem iguais às piores doutrinas totalitárias de que tanto se fala mal por ai.
As regras existentes na maioria das instituições tentam cobrir todos os aspectos possíveis da organização. São regras como as relativas aos direitos trabalhistas nas empresas privadas e os estatutos nos casos dos funcionários públicos. Além da legislação propriamente dita, ainda há os códigos de ética, normativos para concessão de indenizações, quadros de horários, férias e tantos outros detalhes que devem ser lembrados para que não se cometa nenhuma infração. Em alguns locais ainda se determina o que vestir, a que horas ir ao banheiro e como e quando se dirigir aos chefes. Mas isso não é tudo.
A maior parte dos regulamentos já é formalmente estabelecida. Portanto não caberia a nenhuma autoridade ou integrante da organização que se fique criando por conta própria as normas que bem achar que devem existir. Isso não deveria acontecer, a não ser em uns pequenos casos e com o consentimento dos seus superiores na hierarquia da instituição. Sobretudo, como acontece em tantos casos, quando por iniciativa do próprio encarregado a autoridade é auto-atribuída. Ou seja, um belo dia, o cidadão passa a se investir dos poderes necessários para inventar o que quiser a respeito do que fazer ou o que deixar de fazer. Quanto menor a capacidade intelectual, certamente maior será a inventividade e o ímpeto para criar novas determinações.
Aqui um parêntese importante para tratar do “politicamente correto”. Em geral, o que é julgado certo em termos de proteção ao meio ambiente, por exemplo, passa ao conhecimento público e acaba virando uma norma por aclamação. Qualquer ataque que se faça a tais regras tende a ser rechaçado em prol do bem comum. Nada melhor para o pequeno burocrata. Sem condições ou mesmo sem autoridade para intervir diretamente nas atividades fins da entidade, ele passa a ter nas mãos uma arma de coerção. Isto basta para que ele julgue que pode se impor de alguma forma perante a organização. No mínimo, ele passará a ter um meio bem eficaz de incomodar bastante a vida dos colegas.
Infelizmente, quem realmente teria o poder para fazer o controle, às vezes não tem tempo ou conhecimento das situações ocorridas para que possa fazer a necessária interferência. O excesso de trabalho nos gabinetes da direção reduz a comunicação com o público interno. Há, em muitos casos, a certeza de que a autoridade já foi devidamente distribuída e estabelecida por delegação. É natural também que exista um pouco de incapacidade de cobrir todas as situações e acompanhar todas as áreas da empresa. A combinação desses fatores permite que os níveis hierárquicos inferiores possam, ou mesmo necessitem, completar por conta própria o que não é visto por “cima”. Então pode ocorrer de se arvorarem em criar mais normas do que o necessário ou o permitido para aquela instituição em especial.
O problema é que tais abusos são a sementinha do totalitarismo desenfreado. Um ímpeto pequeno e mesquinho pode, por exemplo, querer definir, por exemplo, o que é certo e errado em relação a apagar as luzes na hora do almoço. Este, em escala maior, é o mesmo sentimento que possui o ditador que escolhe quem vai ficar vivo ou morto por concordar ou não com o sistema. É o abuso da autoridade, mesmo que pequeno, até mesmo por manter proporção com a pequenez do criminoso que o faz. Mas não deixa, de forma alguma de demonstrar e confirmar a fragilidade do caráter humano.
As regras existentes nas organizações geralmente já estão previstas e são de conhecimento geral. Em várias instituições, além de uma quase exaustiva legislação, há normativos e códigos a serem observados. Mesmo assim ainda há espaço para a criatividade do pequeno burocrata. Os diretores e outros membros da alta direção não fazem, por vários motivos, a interferência necessária nesses casos. O resultado é que a mesquinhez de espírito, a vontade cercear e o abuso de poder criam asas e imitam em pequena escala, a mesma sordidez dos grandes totalitarismos...
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